Cada vez mais devagar
O que se enxerga quando se está mais sensível ao que está acontecendo no mundo online
Antes de mais nada: leia, se possível, com calma e com tempo. Você se lembra de como é fazer isso?
Don L, em uma entrevista pro Ronald Rios Talk Show, explica que, em muitas conversas que tentava ter, não era possível se aprofundar em ideias com outras pessoas, que era difícil criar um laço e falar sobre as coisas que ele queria falar, que era desafiador realmente se conectar com o outro. Como escrevi em um post, já faz muito tempo que estamos vivendo em monólogos particulares. Pouco estamos trocando ideias, muito estamos querendo “ganhar discussões” imaginárias e se sobressair em competições inexistentes.
O cantor também afirma que, com a música, era o oposto: ele poderia passar a mensagem profunda que gostaria, de forma direta, e chegar no coração das pessoas. É um pouco de como eu me sinto cada vez que eu redijo pensamentos e descobertas, especialmente nessa newsletter.
Enquanto gosto de manter meu processo de escrita quase artesanal - tanto por aqui, quanto na redação de um livro todinho meu e sem data para publicação - o mundo me pede pra remar ao contrário e criar cada vez mais rápido, o que gera uma ansiedade tão grande que me pergunto se sou excessivamente metódica com isso, se sou efetivamente normal. Afinal, por mais que textos bons não sejam como pães quentinhos que estão disponíveis a toda hora, sem entregas não é possível ganhar dinheiro, e sem dinheiro, você não tem dignidade. Sendo assim, o que o redator faz? Se curva e começa a preparar a fornada, incessantemente e constantemente, porque é assim que é ensinado. Lá vamos nós pra mais uma leva de textos não tão saborosos, que podem ser requentados, sem capricho, mas que, pelo menos, pagam as contas!
Pode perguntar: essa é a frustração de 9 entre 10 redatores de conteúdo segundo dados colhidos diretamente da minha cabeça. Tornar a paixão pela pesquisa e pela escrita algo obrigatório e banal, algo de que não gostam de fazer. Ter que se tornar extrovertido quando queremos ficar no nosso cantinho (tudo isso apesar dos lampejos de esperança que nos mostram que os calados estão na moda). Requentar assuntos, falar sobre o que todos estão falando, estacionar o carrinho da criatividade e deixá-lo ali, parado e sem uso por muito tempo, tomando chuva e poeira. Nem mesmo poder dar uma fantasiada porque, afinal, ninguém vai ler, é muito específico, poucos vão entender e o que importa é a relevância. Poxa, e como eu gosto de falar de coisas irrelevantes.
Por isso, assim como eu, muitos amantes de escrita e que não conseguem receber dinheiro pra realizar projetos como publicação de livros, utilizam de outras fontes para manter a sanidade mental. Como um gozo potente, desafogam toda a criatividade reprimida em newsletters, blogs e mais uma porção de modelos de posts na internet. Se não for pela escrita, como será que os grandes escritores se mantém até se tornarem grandes escritores, afinal? Onde estão estas pessoas antes de publicarem suas obras magníficas e ganharem suficientemente bem por elas? Elas existem?
Dançando ao som do ponteiro do relógio
Não é de hoje e não começou com a internet a questão do comportamento de manada, de fazer algo só porque a multidão está fazendo, mas é claro que isso ganhou novos capítulos com as redes sociais e com a forma com a qual a gente interage com elas.
De uma forma generalista, isso vem de muitas coisas, inclusive da busca por uma sensação de pertencimento a um grupo, uma validação, uma chancela em maior ou menor grau.
Em números, com certeza, já desatualizados, o fato é que, apesar do Instagram ainda ser o mais popular do Brasil, o TikTok é a rede social com maior crescimento, com números astronômicos de downloads mensais. A desconsiderar fatores como o círculo de amigos em que você pode viver, o seu perfil, os seus hábitos, o grau da sua afinidade com redes sociais, com o que você trabalha ou como opera o seu dia a dia, é natural que todo mundo que deseja uma projeção virtual nas redes sociais - seja para impulsionar um negócio ou ser um influenciador digital, ou que deseja, ao menos, estar na mesma rede social que os amigos estão - queira estar por lá, no TikTok. Mesmo sem interesse em criar uma conta, é natural ter certa curiosidade sobre o que gera tanto interesse por lá.
Falo do TikTok para exemplificar o comportamento de manada pelo fato de que, ali naquela plataforma, muito do que é criado vem de forma genuína e natural, sim. Mas a grande parcela do que está por lá, na rede social do momento, vem de um mundo de imaginação, de uma série de pessoas construindo, tijolinho por tijolinho, uma persona online.
Óbvio, é natural pensar “como seria bom se eu fosse mais assim ou assado”. E no ambiente virtual, as pessoas criam e querem trazer para mais perto o mundo da imaginação. Fora desse universo elas podem ser totalmente o oposto, mas ali (ou aqui, no caso) querem construir uma nova narrativa, uma história diferente para si mesmas.
No episódio "Escravos do Aplauso" do excelente podcast Inédita Pamonha, de Clóvis de Barros Filho, ele cita a diferença entre um comportamento autêntico de um inautêntico. Para ele, a busca pela tomada de atitudes e práticas que apenas supõem agradar a opinião alheia - geralmente de pessoas que nem possuem apreço por você - refletem num comportamento inautêntico.
Quantas vezes, afinal, não nos deparamos com pessoas que conhecemos relativamente bem tomando atitudes que não têm relação com o que acreditam e vivem até então. Claro, há uma diferença de buscar novos hobbies, ser curioso e aberto a novas possibilidades de ir na onda e fazer algo porque muitas pessoas estão fazendo, estão falando bem disso.
Outro insight importante do episódio é o que já estamos vendo há algum tempo: muitos estão comunicando quem não são de verdade. O mundo está cheio de cantos da sereia e estamos embarcando nisso e nos tornando o que não somos, o que não faz parte de nós. Falta personalidade e fortalecimento sobre o que se sabe de si.
Na contramão disso, existem as pessoas que vivem sua natureza autêntica, com escolhas alinhadas à sua essência. Um exemplo dado pelo professor é Amyr Klink, um homem que gosta de navegar, explorar os mares e escrever, e alinhou sua vida e suas escolhas à essa essência. Escrever, publicar, dividir minhas divagações é, em todos os casos, estar alinhada às minhas essências. Fazer challenges não.
Pequenas reclamações sobre conteúdos em geral
A cansativa imersão no mundinho de todo mundo. Quantas vezes você já recebeu dicas do que assistir, o que fazer, para onde ir que não tinham absolutamente nada a ver com o seu modo de ser? É em momentos assim que nos perguntamos “pra me indicar uma coisa dessas, que não tem a mínima conexão com o que eu gosto, será que essa pessoa realmente me conhece?”.
Isso ocorre porque, entre outras coisas, adoramos saber que alguém assistiu uma série que indicamos, que influenciamos na escolha e que, finalmente, “tal pessoa vai poder conversar comigo sobre um assunto que eu gosto”. Diferentemente de indicações que vem com referências como “você vai gostar daquela atriz”, “a fotografia desse filme parece com outro que você gostou” ou “achei a sua cara o estilo daquele curta”, muitas vezes a indicação se resume a “assiste isso aqui, vale a pena, porque eu gosto”. Conexão com o interlocutor pra quê?
O mundo está triste com tantas ramificações. Aqui, peço licença desde já para entrar em um lado mais pessoal e reclamar bem ao estilo twitteira que ainda habita em mim, visto que recentemente abandonei a rede de uma vez por todas por estar extremamente desgostosa do que o Sr. Tesla anda fazendo com aquele site.
O fato é que essa moda de requentar conteúdo tem me dado preguiça. Absolutamente tudo tem continuações, revivals, remake e mais outros termos que, no fim das contas, significam que ninguém quer que as coisas tenham início, meio e fim. Quantas grandes histórias se perdem com essa paúra de resgatar tudo? Podemos deixar a nostalgia no lugar bonito da memória em que ela costuma ficar? Precisamos mesmo criar novas memórias de tudo?
Estamos de olho, Substack. Como mencionei no tópico acima, deletei o twitter por uma série de motivos que gerariam uma lista de sublistas. A Aline Valek explicou muito bem em um de seus textos mais recentes a dinâmica que se instaurou por lá. Como uma máquina de pegar ursinhos de pelúcia, no Twitter, ganha quem eles querem que ganhe. Meia dúzia se dá bem e todo o resto fica olhando, impactado e impossibilitado de não tentar entrar no jogo e pegar o prêmio tão atrativo.
O Twitter, e as outras plataformas em seu início, foram muito boas, mas com o tempo e a gana passaram a ser extremamente tóxicas nos mais variados níveis. O Substack ainda é um lugar confortável para se estar, mas já vem dando sinais de que quer entrar na dança e quem está aqui que se adapte. Já tem até uma timeline bem parecida com a do Twitter por aqui. Por enquanto, usada com sabedoria. Amanhã, quem sabe? Quando as regras serão mudadas novamente?
Os limites da monetização de hobbies e das nossas próprias vivências. Lembra, lá em 2010, quando debatíamos os limites do humor? Pois bem, atualmente é muito comum ver pessoas tentando - ou sendo aconselhadas a - ganhar qualquer unidade de dinheiro com hobbies que deveriam ser um prazer, uma descoberta e um aprendizado. Pior, é um tanto desesperador ver a série de pessoas que buscam ganhar dinheiro com aspectos da sua vivência. Isso não é novo, claro, mas nem por isso vou deixar de achar extremamente brega ganhar pra fazer presença em evento.
Aqui, não falo sobre deixar de colocar em prática qualquer sonho que se tenha de se trabalhar com o que se ama. E também sei que está todo mundo quebrado e querendo um faz me rir a mais. Também não se trata de viver num mundinho cor-de-rosa sem entender que celebridades ganham pela sua imagem. Mas, cá entre nós: está tudo tão inflado e tão demais. O ponto aqui é sobre o limite ou a falta dele. Monetização da gravidez, da revelação, do chá de revelação. Monetização da colagem amadora que você faz. Monetização do Isso nos impede de reclamar, nos impede de apoiar amigos à distância, porque não necessariamente queremos comprar algo pra dar aquela forcinha.
Se você quer se desesperar cada vez mais, navegue pela série Viralismo, da Floatvibes, porque do meu lado, cansei.
Para ir na contramão
Depois de um textão sincero e reclamão, deixo dicas que podem ajudar você a estar no oposto de toda essa velocidade, dessas regras dos algoritmos, de todas as coisas que nos deixam ansiosos e nos sentindo sempre insuficientes.
Um alento de podcast e de perfil do instagram para você que chegou até o final dessa maratona de texto, tal qual um corredor que merece uma aguinha gelada e massagem. Ainda vou falar muito desses conteúdos por aqui.
Um abraço e até mais!