Adiós, muvuca
Escolhendo viver em São Paulo e não estar cercada de barulho, caos e multidão o tempo todo
Quando se nasce, cresce e/ou vive em uma metrópole como São Paulo, a sensação de estar sempre cercado de gente traz coisas muito específicas, como a confortável percepção de ser “só mais um” na multidão e poder passar despercebido, sem dever nada a ninguém. Tenho real pavor da dinâmica de cidades pequenas em que todo mundo te conhece e uma simples ida ao mercado se transforma no evento social mais exaustivo do mundo para uma pessoa reservada como eu.
Mas também, o dia a dia numa metrópole nos ensina a lidar com ambientes quase sempre muito lotados, onde você tem que se apertar e se enfiar, tentando se sentir bem em meio a tanta informação. E o agravante é que, muitas vezes, não tem muito para onde correr, especialmente quando se trata de pegar o transporte público no horário de pico pra voltar pra casa, por exemplo.
Nunca serei a pessoa que vê o lado bom de uma pandemia, mas mesmo após a maluca experiência da Covid-19 que obrigou o mundo a ficar afastado, e que seria muito fácil de se tornar um costume, dá pra ver que isso ficou no passado. A volta ao trabalho presencial e à vida cultural ativa fez relembrar de coisas que estavam boas: a pouca quantidade de gente por metro quadrado. Até porque, convenhamos: nem Márcio Canuto aguenta ficar no meio de tanta gente aglomerada de graça.
Esse tem sido o motivo principal da minha recente impaciência e maior seletividade com os lugares aonde vou, por isso é comum me ouvir dizer que “não quero frequentar lugar hypado”. Apesar de soar arrogante, como se fosse uma negativa a estar no lugar em que todo mundo está e conhecer locais que todo mundo conhece, a verdade é bem mais simples: estou cada vez mais exausta de caos, principalmente o caos reprimido de uma pós-pandemia.
Algum tempo atrás, um grupo de amigas queria visitar um karaokê, e o local escolhido foi a famosa Tokyo, na Rua Major Sertório, lugar interessante, cheio de ambientes, muito néon, festa e cantoria. Porém, ao chegar na porta do lugar e ver uma senhora fila pra entrar, e muita gente já dentro do local, não pensei duas vezes: mandei beijo pra todas e rumei pra casa.
Amo shows, mas 2023 foi, praticamente, o ano em que vi de longe grandes nomes passarem por aqui sem fazer o mínimo esfrço para vê-los (muito pelo preço e muito pelo caos iminente), vide The Weeknd e Kendrick Lamar, que depois vi nos stories de muitos amigos e senti uma pontadinha de pena por não ter ido.
Por falar em shows, esse ano só dei chance a shows em locais muito sossegados, onde eu poderia me sentar e curtir sem fila, perrengue ou empurra-empurra, como os do Sesc, que tem preços mais acessíveis. Porém, mesmo assim, foi indo a um show semiaglomerado do Sesc que furtaram meu celular, coisa que foi muito frequente na minha experiência em muitos carnavais paulistanos, e eu não tenho tempo, dinheiro nem saúde mental pra lidar com esse tipo de dinâmica.
Mas, afinal, é possível viver em uma cidade maluca como São Paulo, sem se forçar a estar em contato constante com tanta gente? Dá pra manter uma vida social saudável sem frequentar os rolês de sempre? Baseado em muitos perfis de lugares inóspitos e nesses questionamentos, elenquei alguns lugares gostosinhos e descobertas que tenho feito longe dos eixos do hype. É bom aproveitar, porque do jeito que tem subido prédio nessa cidade, lugar calmo vai ser, cada vez mais, um privilégio.
Esquinas de Santana com muito boa comida
Quando conhecemos pessoas de vários lugares, é natural marcar encontros com a galera no centro da cidade ou perto do trabalho que, em geral, fica nos famosos centros comerciais da Paulista, da Faria Lima ou de Pinheiros. Mas às vezes tem coisas muito boas mais perto de nós, que levamos algum tempo para perceber e considerar.
Em Santana, na Rua Duarte de Azevedo, em duas esquinas há lugares igualmente sossegados e deliciosos, com música ambiente e ótima comida. Como eu não sou especialista, não vou me aprofundar em avaliações, mas o fato é que a Angusteria oferece pratos maravilhosos com carne, além de servir lanches e sobremesas.
Já do outro lado, está o Karii Buteco Okinawa, um lugar com uma vibe Midnight Dinner, um local delicioso com comida japonesa, mais precisamente de Okinawa, e muito propício pra chegar e bater um papo com calma. E, sobre a comida, os próprios donos dizem para que você não espere por sushi ou sashimi, já que o espaço conta com outras delícias japonesas muito saborosas e bem feitas, e que são mais típicas daquela região.
Comer e ver filmes nos territórios culturais
Sou uma frequentadora e entusiasta do cinema do Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro, pois conta com filmes fora do circuito de Hollywood, e com muitos filmes estrangeiros dos mais variados países do mundo. Além disso, é bem confortável, não costuma lotar e o valor do ingresso é convidativo demais, muitos chegando a ser gratuitos.
Já na Oficina Cultural Oswald de Andrade, no Bom Retiro, um lugar belíssimo por si só, além de exposições e outras atividades, é possível fazer uma pausa e conhecer o charmosíssimo Café Colombiano. Ali, além de cafés, como o próprio nome diz, também é possível conhecer e apreciar a gastronomia colombiana também em forma de almoço. Com um cardápio reduzido, mas cheio de coisas gostosas, toda escolha é acertada.
Quinta é a nova sexta
Seria ótimo ter a vida de uma Helena de Manoel Carlos paulistana e, às três da tarde, após uma manhã difícil na clínica, ir caminhar pensativa na Avenida Paulista ou tomar um chá com as amigas num restaurante em Pinheiros. Mas, para o proletário, a rotina de trabalho começa cedo e acaba tarde.
Mesmo amando a tranquilidade das manhãs, por exemplo, já tenho tantas coisas pra fazer e me preocupar que, dificilmentem consigo ter uma rotina matinal sossegada. Além disso, sexta-feira deixou de ser um dia de “happy hour” pra ser um “chaotic time”. Por isso, adotei as quintas-feiras como meu dia de beber um negocinho e dar um passeio, e tem sido muito proveitoso.
Encontros com música, comes, bebes e jogatina em casa
Sair de casa, especialmente em São Paulo, requer disposição e muito planejamento financeiro. Por isso, uma alternativa tem sido receber amigos ou frequentar a casa deles, pois, além de mais tranquilo, há a experiência de conhecer e deixar que conheçam o seu espaço, rachar comida e bebida, jogar alguma coisa e conversar mais livremente.
Estes são apenas alguns dos locais legais pelos quais passei e as coisas gostosas que tenho feito. Tenho evitado ambientes e experiências insalubres, um pouco mal acostumada por morar em um local longe da muvuca, mas sem pensar em deixar a cidade por ela ser caótica. É possível viver mais perto do 8 e longe do 80.
Extras
Estou, digamos que, inaugurando uma sessão pós-texto pra trazer duas coisas de que gosto muito compartilhadas rapidamente: artes visuais e música. Isso não vai ser incluído em todas as edições da newsletter, mas a ideia é que elas tenham, de alguma forma, alguma relação. A de hoje traz o tema “respiro”.
Louças artísticas
Em artes visuais, devo dizer que sou aficionada por coisas criativas para a casa. Amo itens que unem, literalmente, o útil ao agradável, então tenho navegado por louças belíssimas de diversos estilos e bolsos. Tem sido meu respiro ver essas vitrines virtuais e pensar “poderiam estar na minha casa, mas seria uma pena, pois seriam quebrados rapidamente”.
Andre 3000 tocando flauta
Na parte de música, conheci por meio do canal Quadro em Branco uma ótima novidade: o lançamento de um álbum solo. O mais legal de tudo é que, apesar de ser um grande nome do rap, fazendo história no Outkast e em um dueto com John Legend (Green Light, música na qual sou viciada), ele resolveu fazer de New Blue Sun um álbum de flauta.
Sem letras e rimas, ele saiu do lugar-comum e ofereceu um disco com faixas longas e títulos maiores ainda, mas perfeitos pra quem quer aquele instrumental pra ouvir enquanto faz algo super maçante no trabalho. Gostei bastante, me relaxou e surpreendeu, então, consegui respirar em meio à corrida semana de trampo.
Um ano de Substack!
Não costumo usar exclamação, então, quando eu uso é por alegria e euforia genuínas. O fato é que faz alguns dias que essa newsletter já tem um ano e não tive tempo de comemorar, então, lá vai. Pra quem está chegando, obrigada! E pra quem está desde o início, obrigada também! É muito difícil manter um projeto lento e não-remunerado pelo simples prazer em dividir algumas reflexões. Deixar de lado preciosismos cronológicos, ortográficos e fatídicos é um desafio, mas fico feliz por estar seguindo.
A propósito, esse foi, sem dúvida, um ano de retomar gentilmente projetos que são super importantes pra manter a mente sã em meio às atribuições da vida.
Sou muito tímida, mas aproveito o ensejo pra compartilhar outro projeto muito artesanal, pessoal e despretensioso: um podcast com uma das minhas melhores amigas. Retomado este ano, de forma gentil, após hiato e cansaço, dividimos com a audiência no último episódio as músicas que povoam nossas memórias de família.
Agora, pra quebrar o clima festivo do meu jeitinho, vai uma mensagem de mim pra mim mesma: calma, é só uma newsletter.
Até a próxima!