Nos últimos dias, graças a um videoclipe do qual gosto muito, do controverso, porém inegavelmente genial Kanye West, fui apresentada a um clássico da animação japonesa. Akira é um filme adaptado do mangá, e existe desde pouco antes do meu nascimento.
A obra é primorosa e tocante por inúmeros motivos, seja pela história principal e pelas mensagens mais explícitas ou pelas sutilezas que não são percebidas logo de cara. Por ter sido criada em uma época em que havia um temor por uma guerra nuclear, Akira é um cyberpunk, subgênero de ficção científica que é mais undergrond, um contraponto às obras mais “limpinhas” do gênero que acabavam por surgir de forma massiva na época. Aqui, o ambiente é caótico, as problemáticas são diversas, há foco nos excluídos e subjugados, os heróis possuem defeitos e falhas, as pessoas são corruptas e interesseiras. Inclusive, talvez tenha sido de tanta imperfeição que surgiu o lampejo de Kanye West para criar um clipe com esse contexto.
Na trama, entre motos altamente tecnológicas, Tetsuo, o protagonista da história, sofre um acidente envolvendo uma criança, e a despeito de todas as coisas citadas acima e que poderiam causar um particular desconforto, o que me deixou intrigada foi a aparência daquela criança.
Trata-se de um ésper, um de três que aparecem ao longo do filme. Éspers são seres com poderes psíquicos que são sequestrados por um governo que tem como objetivo testar seus dons por anos, e até mesmo décadas, para um projeto secreto. As drogas administradas inibiram seu desenvolvimento físico e psíquico, mas a aparência de seus rostos faz com que pareçam mais velhas, na verdade até mesmo idosas devido a presença de rugas e flacidez no rosto. E confesso que isso me incomodou um pouco, a despeito de serem muito compassivas, carinhosas e generosas em uma trama de personagens egoístas, hostis e um tanto violentos.
Outro momento em que assisto ao filme com um semblante curioso e ao mesmo tempo de perplexidade e incômodo é quando Testuo tem uma alucinação enquanto está no hospital. Três brinquedos aparentemente fofos - um carrinho, um ursinho e um coelho - ganham vida e começam a dançar em meio a uma trilha sonora composta de vozes finas, ecos e melodias infantis. Depois, se tornam brinquedos gigantes que invadem o espaço, as paredes se quebram como peças de Lego, e o carrinho, agora gigante, cria uma piscina de leite. Uma cena de animação de quase quatro minutos em que você fica paralisado tentando entender até onde aquilo vai.
O canal “Quadro em Branco” do YouTube fez uma reflexão extra sobre o filme. Não fala exatamente da agonia com coisas fofas, mas também é muito interessante e vale o play. É bem curtinho e pode ser visto abaixo:
Vai um cafézinho sinistro aí?
A estética dos desenhos dos anos 30 e 40 é icônica, mas um tanto incômoda por si só. Além de algumas histórias extremamente problemáticas, especialmente pelo racismo, a própria animação propriamente dita não fica para trás. Corpos distorcidos, olhos arregalados, dancinhas e musiquinhas em looping e sorrisos exageradamente largos compõem o pacote daquelas coisas que, se a gente prestar muita atenção, fica levemente perturbado.
Parece que foi pensando nisso que quase um século depois criou-se um jogo fofinho e engraçadinho, porém difícil e desgraçador de cabeças. Avaliado como extremamente difícil, basta navegar na internet para ler coisas como “esse jogo vai fazer você querer tacar o controle na parede”. Além disso, na história em si, a dupla de Mickeys com cabeça de xícara perde uma aposta num cassino para, sem figuras de linguagem, o próprio diabo. A partir daí, a dupla vende a alma para se salvar (sem metáforas por aqui também).
Se você leu até aqui merece ouvir uma boa trilha sonora, mas, para não fugir do tema, separei uma lista de músicas com melodias lindas e letras controversas:
Pumped up kicks - Foster the People: melodia jovem indie good vibes que mascara a história real de um massacre em uma escola em Columbine, nos Estados Unidos.
Every breath you take - The Police: o hino nacional dos stalkers, perseguidores, obsessivos. Se alguém te dedicar essa música, passe longe.
Como eu quero - Kid Abelha: representatividade feminina no mundo dos manipuladores. A letra é inspirada num relacionamento abusivo sofrido pelo ex-baterista da banda.
Psycho killer - Talking Heads: já se deixou embalar pela letra chiclete mesmo sem saber o que estava cantando? Pois fala de uma história real de uma mulher que morava sozinha com seus filhos em casa e recebia ligações misteriosas. Ao avisar a polícia e ser rastreada, um dia a mulher recebeu novamente a ligação da tal voz. Os policiais orientaram que ela deixasse a casa, ela foi sem os filhos, e quando retornou, eles haviam sido enforcados.
Because of you - Kelly Clarkson: até em casamento essa aqui já tocou, mas ela fala sobre a relação abusiva com seu pai.
All of my love - Led Zeppelin: a letra foi escrita pelo vocalista da banda, Robert Plant, pela morte de seu filho, de apenas 5 anos, acometido por uma infecção.
I’ve got you under my skin — Frank Sinatra: a música, um verdadeiro clássico, fala do vício em cocaína.
Aproveite o som, Agora, se você estiver na vibe de assistir algo, tudo bem, temos sugestão de desenho animado por aqui também.
Não desista dessa news. E, como diz Kanye West, “don’t act like I never told you”. Até a próxima!