Detox virou sinônimo de descanso, porque segundo o dicionário Priberam, é o “tratamento destinado a eliminar os tóxicos e a reparar as desordens que eles provocaram”. Já sabemos a desordem física e mental que a rotina provoca, e o quanto o período de descanso faz com que as coisas se reestabeleçam, entrem nos eixos novamente.
Porém, nos tempos acelerados e de hiperprodutividade em que vivemos, parece errado simplesmente não fazer nada. Basta navegar um pouco no site-escritório LinkedIn pra se deparar com uma série de posts e artigos sobre a pressão pra ser produtivo inclusive no descanso: “Como assim estar ocioso e não fazer um curso complementar após o expediente? O emprego dos seus sonhos não será seu por culpa exclusivamente sua. Trabalhe enquanto eles dormem!” é o que emana de um lado, enquanto o outro clama por uma desaceleração.
É comprobatório o quanto a produtividade sem descanso transforma, por exemplo, o ato de se alimentar em um mero ato de sobrevivência, que desencadeia numa maior adoção por comidas ultraprocessadas e, consequentemente, traz impactos negativos à saúde.
Por que estamos, então, pedindo eternas desculpas por não conseguirmos performar o exigido? Por que muitos usam o argumento de que, com um melhor gerenciamento de tempo, tudo se resolve, mesmo sabendo que, na maioria das vezes, ele só é um Band-Aid sobre uma série de problemáticas? Afinal, como gerenciar o tempo e a saúde de alguém que tem dois, três empregos homeoffice para suprir suas finanças?
Sem contar o número cada vez maior de profissionais com burnout e empresas não sabendo o que fazer com isso - sem contar as desistências silenciosas em massa ocorridas ano passado, de profissionais que optaram por desempenhar menos para serem mandados embora ao invés de seguir lidando com pressões por números e resultados desgastantes.
O tema já virou, claro, episódio de podcast: em O Assunto, a psicanalista Vera Iaconelli aborda a relação entre vida e trabalho, e o quanto não se deve abrir mão do ócio. Sem essa de “ócio criativo”. Puro ócio.
No fim do ano passado, a Revista Gama abordou o tema “descanso” sob uma série de aspectos, e gostaria de pegar emprestado algumas reflexões vistas por lá, que me levaram a outras reflexões. Em especial, o descanso nas artes, que achei interessantíssimo, a seguir.
O descanso inspira?
Pintura de trabalhadores com as mãos na massa são vistas aos montes por aí. Mas e deles em momentos tranquilos, de fazer nada? O já falecido artista Almeida Júnior gostava de retratar cenas de pessoas em posições relaxadas, olhares calmos e falta de ação. Na Pinacoteca, é possível ver uma de suas obras mais conhecidas, Caipira picando fumo.
Após ver esta arte, é possível lembrar imediatamente de uma série de contrapontos. No Brasil, é muito comum ouvir a expressão “fulano é trabalhador, acorda 5 horas da manhã”, como se acordar tarde fosse sinônimo de não trabalhar por descansar mais à noite. O próprio notívago e saudoso Jô Soares era um defensor de que dormir de dia não era sinônimo de não ter uma ocupação.
Vivendo do ócio
A exposição Sleeping Exercise, de Marina Abramovic, é uma exposição interativa que convida o participante a… dormir. Parece um sonho, e realmente é. Sem restrição de tempo, a proposta é desacelerar do ritmo frenético. E o descanso tem sido tão valioso que muitas pessoas têm receio, dificuldade ou relutância em pegar no sono gratuitamente em um espaço de arte, fazendo parte da obra. A experiência pode ser observada no link abaixo.
Work, work, work
O burnout como experimento e performance. Foi assim que o taiwanês Tehching Hsieh testou os limites do seu corpo e mente durante um ano (de 1980 a 1981) ao realizar o batimento de um ponto num relógio a cada uma hora, sem descanso, até mesmo nos horários de dormir. Os cartões de ponto ficaram expostos em instalações num museu de Londres.
É proibido desistir?
“Desistir: descansar temporaria ou permanentemente de uma meta”. Definição minha segundo o dicionário da minha cabeça. A desistência também é vista com maus olhos pela sociedade da produtividade excessiva. Mas aproveito para citar algumas pessoas públicas que escolheram a pausa gradual ou brusca, temporária ou definitiva.
Simone Biles: a campeã olímpica, e uma das atletas de maior sucesso em sua modalidade, a ginástica artística, desistiu de participar da final de Tóquio em 2021. Biles coleciona mais de 30 medalhas em Olimpíadas e Mundiais e chegou como favorita de seu país, os EUA. Porém, ela admitiu que não confiava mais em si mesma e que não é apenas uma atleta, mas também um ser humano.
Jamie Spears: Pensa numa desistência tão aguardada que foi celebrada por famosos do mundo todo? Foi o que aconteceu quando o pai da cantora Britney Spears, Jamie, desistiu de ser tutor legal da princesa do pop após 13 anos. Em resumo, durante todo esse tempo ele foi acusado de controlar a vida e o dinheiro da filha de forma absurda, fazendo-a perder toda a sua liberdade.
BTS: o grupo queridinho de pop coreano anunciou uma pausa na carreira por esgotamento. A indústria do k-pop é mundialmente conhecida por ser uma fábrica de estrelas meteóricas, mas que precisam abdicar de muitas coisas da vida pessoal para alcançarem o estrelato: tempo com a família, relacionamentos amorosos, além de se submeterem a horas e horas a fio de ensaios, produção, shows, dietas rigorosas, estética, treinos e mais.
Por fim, deixo aqui meu recadinho pessoal.
Desisto por hoje. Até mais!